segunda-feira, outubro 28

Do que foi


Ela esperava concentrada a etiqueta dos 45 minutos ser tirada da parede para que ela pudesse sair da sala e levar o caderno de questões e ligar logo para ele. O tempo parecia não passar, mas ela já estava acostumada com essa sensação. Com a cabeça baixa, ela via a capa azul do caderno de questões ficar molhada e sentia as lágrimas caírem feito bombas. Como tudo aquilo doía nela. Ela imaginou que a etiqueta fora tirada quando ouviu o barulho das cadeiras sendo arrastada, ela ouvia o som da multidão e ao levantar, percebeu que era uma das ultimas três, ela sabia que teria que ficar até o fim, então se calou e sentou novamente. Escorada na parede, ela construía em sua cabeça todos os passos da mesma prova ano passado, ela era feliz e não sabia. Não sabia que ele faria tanta falta. Não sabia que o preço que pagaria por toda aquela felicidade seria tão alto, e que um sonho, muda muito o rumo de uma vida.
Havia passado um ano, era o segundo ENEM dela, e pela primeira vez, ela sabia que quando ligasse para ele, ele iria reclamar e falar de como ele acha inútil tudo isso e tudo mais. E os olhos dela se enxeriam de lágrimas e ela choraria ao dizer que sente a falta dele. 
Ele esperava a ligação dela, sabia que ela ficaria até o fim, ele a conhecia e sabia de como ela era esforçada, e por ela, ele fazia tantas coisas. Ele sentia a falta dela, e partia o coração dele quando ele a ouviu chorar ao telefone enquanto dizia que sentia a falta dele, e quando ela desligasse o telefone, ele choraria. Ele sabia que ia ser assim, foi tantas vezes e seria assim tantas vezes ainda. Mas ele sabia que ela sonhava com aquilo.
E assim foi, há um ano, ela morava em uma cidadezinha pequena esquecida do mapa, e no começo do ano passado eles se conheceram e foram amigos de um jeito difícil de acreditar que fosse possível. Ela sonhava em sair de lá, mas não sabia que sentiria falta de tudo. Ele a apoiava em todos os sonhos que ela tinha, ele a amava tão profundamente.
Ela deixou a cidade e com a cidade, deixou ele também. Ela prometeu que ligaria todo dia, que viveria do lado dela, e que o amaria mais e mais cada dia. E entre tantas promessas, o que ela não sabia é que ela daria tantos motivos para ela voltar e ficar do lado dele por muito tempo.
Então, ela assinou a ata e saiu, rasgando aquele saquinho e colocando a bateria meio que do jeito mais rápido possível, e os olhos dela brilharam quando leu ao "eu te amo" que ele mandou a meia tarde, e com os números já decorados ela ligou para ele, e então seus olhos brilhando enxeram-se de água, e ela aliviada por falar com ele mais um dia, acabou dizendo "eu te amo", um dos primeiros na vida real, e que para ela era tão especial e importante. Ela de fato o amava. 
Mas era tarde e eles estavam longe, longe de mais para se amarem, tarde de mais para dizerem qualquer coisa. Ela tentava esquecer. Ele tentava fazer com que não doesse. Ela sabia que não adiantava tirar da cabeça o que não saía do coração. Ele sabia que não adiantava tirar do coração o que não saía da cabeça.

Nenhum comentário:

Postar um comentário